O FIO DA ARANHA

O FIO DA ARANHA
    Certa vez, meu professor de artes-marciais contou-me uma história. Uma fábula, entre tantas que ele trouxera lá do Oriente. Esta falava de um ladrão, que era um homem muito, muito mau.
    Havia no céu somente um, entre os deuses que dizia ainda ser possível a salvação daquela alma. Esse deus falava aos seus irmãos deuses que, se, o ladrão fizesse ao menos uma boa ação em vida a alma do ladrão teria a chance de ser salva.
    Seguiram-se os anos, e, por mais otimista que o deus quisesse ser, seus olhos não viam nenhuma melhora nas atitudes ou no coração daquele homem. Ao contrário, a cada dia ele tornava-se mais desumano e cruel.
    Certa noite quando a lua cheia iluminava as ruas e vielas da cidade onde o ladrão morava, ele saiu para cometer o último furto de sua vida. Após roubar alguns jovens que saiam de uma festa, um policial que presenciou tudo começou a perseguir o ladrão. De repente o reflexo da lua numa poça d'água chamou a atenção do fugitivo, uma pequenina aranha lutava desesperadamente para não morrer afogada. O ladrão, sem saber o porquê, sem pensar, parou de correr e agachou. Pegou um graveto e tirou o inseto da água, livrando-o da morte. Quando percebeu o policial já estava a poucos metros dele. Assustado o ladrão num salto pulou para o meio da estrada, não percebendo que um ônibus se aproximava em alta velocidade. Sua medíocre vida havia se extinguido desta existência.
    O inferno acolheu de braços abertos seu mais novo hóspede e depois disso seguiram-se infindáveis anos de tortura para o ladrão. O sofrimento havia sido tão grande que ele implorava entre lágrimas que alguém por misericórdia o tirasse dali. Prometia bradando aos quatro cantos do inferno que estava recuperado, que havia sentido na pele o sofrimento e dor que afligira aos outros enquanto estava vivo. Se saísse dali jamais faria alguém sofrer novamente, gritava.
    O deus que acreditava nele ouvira suas suplicas e pediu aos seus irmãos deuses permissão para ajudar o ladrão, mas eles lhe falaram:
- Somente se o ladrão em vida houvesse feito o bem e salvado algum ser poderiam permitir que fosse feito algo pela alma daquele homem. - o deus então brilhou os olhos e a luz prateada imediatamente adentrou o interior do inferno transformando-se num fino fio de prata levando junto dele uma minúscula aranha dourada. Uma voz tênue sussurrou:
- Salvaste minha vida! Por isso os deuses me autorizaram a ajudá-lo! Você terá mais uma chance! Venha suba por minha teia rumo a sua liberdade!
    Alegria inexprimível! O ladrão mais que depressa começou a subir pelo finíssimo fio de prata, palmo a palmo, até que num certo momento pode vislumbrar que estava indo em direção ao paraíso, local de indescritível beleza e paz.
    Uma forte vibração na teia de prata o chamou a atenção e o fez olhar para baixo. Seu semblante alegre transformou-se imediatamente. Viu várias pessoas que aproveitavam o mesmo fio que o salvava e agarravam-se a ele subindo rapidamente para também se salvarem.
    O ladrão vendo aquilo e temendo que a teia rompesse permitiu que sua antiga natureza aflorasse e egoisticamente passou a chutar as pessoas derrubando-as da teia de prata. O deus ao ver aquilo La do seu reino cerrou os olhos e sumiu entre a luz dos seus irmãos. A teia começou a esvanecer-se até que rompeu lançando-o de volta ao inferno. Antes de desaparecer a pequenina aranha sussurrou novamente:
- Tolo egoísta! Minha teia era forte e teria aguentado o dobro de homens! Foi sua atitude mesquinha que fez com que ela enfraquecesse e fosse cortada. Agora, nada mais poderei fazer para ajudá-lo e você esta fadado a ficar eternamente no inferno. - e dizendo isso, fechou-se por completo a porta para o céu.

Homenagem ao meu mestre de artes marciais que me contou esta história. Marcos, muito obrigado por sua sabedoria e paciência.  
J. C. Zeferino

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